Zona Cinzenta é uma expressão comum na língua inglesa (gray area) que significa que algo está em uma região nebulosa, que nem tudo é preto ou branco. Objetiva romper com o dualismo: ou é A, ou é B (dois times, duas visões políticas, dois gêneros, etc.). Dentro do Direito de Família, a compreensão da Zona Cinzenta é fundamental para se interpretar os novos modelos de relacionamento afetivos, novos princípios da proteção familiar, novas formas de identidade íntima.

Uma situação que se aplica à Zona Cinzenta é na análise dos casos de Alienação Parental e Guarda Compartilhada. Nem toda a dificuldade de convivência entre pais separados e filhos menores decorre de manipulação psicológica do outro cuidador. Nem toda a criança precisa residir prioritariamente com a mãe. Nem todo o pai precisa esperar determinada idade para pernoitar sozinho com seu infante. Por óbvio que todo o caso é único e possui circunstâncias específicas. Porém, há uma tendência em polarizar a discussão de forma binária. Criam-se regras informais de arranjos de separação, de esquemas de pernoites, de percentuais de pensão alimentícia. Na Justiça, invoca-se esse argumento da subjetividade (de que cada caso é único), para se inverter a lógica da argumentação: cada caso terá que se encaixar nas regras binárias de quem julga (visão de preto ou branco) ao invés de uma área cinzenta nos conceitos objetivos.

Nem toda a dificuldade de convivência entre pais separados e filhos menores decorre de manipulação psicológica do outro cuidador. Nem toda a criança precisa residir prioritariamente com a mãe. Nem todo o pai precisa esperar determinada idade para pernoitar sozinho com seu infante.

A famosa série de livros de ficção Cinquenta Tons de Cinza (de Liberdade, etc.) ajudou na popularização da expressão e realmente ajuda a visualizar mentalmente que entre o branco e o preto existem infinitos gradientes de cores. Em paralelismo, infinitas formas de relacionamento íntimo entre as pessoas, de identidade de gênero da pessoa, de maneiras de se educar os filhos, de exercer seu credo ou de organizar herança, patrimônio ou rendas.

Entender a área cinzenta é muito diferente do que apelar para o mero subjetivismo (cada situação é única e diferente), é compreender que os conceitos abstratos (e não os casos concretos) precisam ser repensados sem opiniões formadas. Romper com a ideia de vilões e vítimas, de bons e maus pode mudar a maneira como se interpretará situações reais. Quem não se viu torcendo para o suposto “vilão” de um filme ou série? Talvez a reviravolta que assistimos seja apenas um amadurecimento ou empoderamento do personagem, talvez um reflexo dos traumas e dos destratos sofrido no passado. Por que nos conflitos familiares não enxergamos a origem e os diversos enfoques de determinadas atitudes repudiadas?

Veja como exemplo os conflitos entre irmãos adultos para cuidados dos pais idosos. Muitas vezes um filho quer isolar o patriarca e gerenciar tudo sozinho, afastando os irmãos. Seria pura maldade e egoísmo desse indivíduo? Talvez omissões ou escolhas de vida dos demais adultos culminaram naquela situação. Ou talvez aquele que assumiu o controle esteja com dificuldade emocional de encarar a insatisfação de tudo que abdicou em favor do idoso e agora esteja transferindo sua mágoa para os irmãos que foram viver suas vidas.

Entender a área cinzenta é muito diferente do que apelar para o mero subjetivismo (cada situação é única e diferente), é compreender que os conceitos abstratos (e não os casos concretos) precisam ser repensados sem opiniões formadas.

Nos conflitos de guarda de filhos menores, rotineiramente mães firmam posição que seu filho deve morar com ela depois da separação. O pai muitas vezes acaba com um convívio regulamentado, restando-lhe oito noites por mês com o filho. Depois de algum tempo, a mãe se sente sobrecarregada, sem tempo para vida pessoal e transfere muito da insatisfação para o pai da criança, esperando alguma compensação financeira. Em outras situações, é o pai quem escolhe se afastar diante da postura da mãe e ele reconstrói sua vida com outra pessoa. Acaba se distanciando do filho preexistente e enxerga que possui apenas direitos de convivência quando lhe convém, ignorando a sua obrigação de preservar a relação afetiva com o filho. Acabam as duas situações narradas (e muitas outras) em perícias no Judiciário que terceirizam para um profissional dizer como aqueles adultos devem amenizar os danos causados nos filhos. Agora, imagine todas essas hipóteses acontecendo simultaneamente, com pais se distanciando, com mães afastando os filhos, poderia haver um vilão e uma vítima?

A advocacia especializada na área familiar permite ao profissional enxergar todos os cenários de diversos ângulos, pois a cada dia defende uma posição diferente. É diferente da advocacia criminal, trabalhista, fiscal em que costumeiramente se desenvolvem teses e os clientes costumam figurar na mesma posição de conflito. Na área familiar, quando defendemos um pai afastado dos filhos, sabemos como é defender a mãe, pensamos o que alegaríamos se estivéssemos no outro lado. Processo judicial de família é formalmente polarizado (autor/réu, requerente/requerido), mas o advogado deve prioritariamente quebrar modelos e compreender a Zona Cinzenta que está presente em todos os casos.


Créditos:
Redação: Adriano Ryba e Ana Carolina Silveira.
Revisão e Imagens: Ana Carolina Silveira.
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